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Novas aquisições literárias e pequena reflexão sobre livrarias e editoras



Começo com uma descoberta na "biblioteca" da família, um livro de Natal escrito pelo francês Alphonse Daudet, As três missas rezadas, ilustrado pelo artista plástico português Manuel Lapa. O livro foi impresso no Natal de 1963 "exclusivamente reservado aos amigos da Editorial Estúdios Cor".

O segundo foi uma oferta e uma gracinha. Chama-se O prazer de fumar cigarros de James Fitzgerald. É um livro com um look vintage para quem aprecia fumar, da editora Guerra & Paz. Acho particular piada a uma citação na contracapa "Fumar tira-nos dez anos de vida. Bem, são os piores dez anos, não é, amigos? São os do fim! É a porcaria dos anos da cadeira de rodas, e da diálise. Podem ficar com esses anos! Nós não os queremos, pois não? E, tendo isso em mente, toda a gente a acendê-los e tenham um bom dia." de Denis Leary.



No início do mês, duma das vezes que fui a Lisboa, passei pela loja da Assírio & Alvim do Chiado. Ia à procura do livro da direita, Greguérias do escritor espanhol do início do século passado, Ramón Gómez de La Serna. Um livro que já li e reli, e recomendo. O que são Greguérias? Remeto a definição para as palavras do autor - que em síntese diz que as Greguérias = Humor + metáfora. Mais não adianto, espero voltar a elas numa outra altura.
Na procura do livro anterior, encontrei o da esquerda, Stuart - A Rua e o Riso, sobre o artista plástico e ilustrador Stuart Carvalhais. Um dos meus ilustradores preferidos do ínicio do século XX, que ilustrou desde capas de magazines/revistas a banda desenhada (com o Quim e Manecas), passando por ilustrações para publicidade (por exemplo para o Club Bristol).

No mesmo dia, estando com tempo para matar acabei por espreitar a Livraria Sá da Costa. Adorei o espaço de exposição dos livros. Há qualquer coisa de mágico nas livrarias antigas, que me fazem recordar dois espaços que visitava quando era mais nova. Uma delas era a livraria/papelaria Uninova, e a outra era a antiga loja da papelaria/livraria União com a sua escada em caracol e os amontoados de livros que mais pareciam tesouros à espera de ser encontrados. Ambas em Torres Vedras, a primeira extinta e a segunda modernizada. Apesar da magia toda do espaço, não encontrei nada que me tenta-se a carteira. Encontrei livros interessantes, encontrei livros que já não via à anos, re-descobri colecções infanto-juvenis que quis ler e nunca mais as encontrei, mas como disse, nada me tentou.

Recentemente dei-me conta de que a Livraria Portugal vai fechar. Confesso que já passei algumas vezes à porta, mas nunca entrei. Por isso na sexta-feira passada decidi ir conhecer o espaço e já agora ver se encontrava algo para trazer comigo. É uma livraria à antiga com dois andares e livros até ao tecto em todas as paredes e recantos. É pena que vá fechar tal espaço, mas imagino que seja difícil com  a concorrência. Encontrei e vi livros que nunca tinha visto, colecções que já não se encontram no circuito comercial à anos. Pequenas pérolas à espera de serem descobertas. Desta vez encontrei alguns livros que mete tentaram que trouxe para casa.



(da esquerda para a direita) Pousada das Histórias da Maria de Lourdes Castro, Nevermore da Marie Redonnet e O Gato Preto de Edgar Allan Poe.
Como estava pelo Chiado decidi ir espreitar a Assírio & Alvim, que estava com uma feira de manuseados. Uma série de livros (na minha opinião em boas condições) a preços muito mais baratos. Acabei por trazer mais alguns livros para acrescentar à minha biblioteca.



Erzsébet Báthory a condessa sanguinária de Valentine Penrose; O Amor é Fodido de Miguel Esteves Cardoso e O Retrato de Nikolai Gógol.



E por último trouxe Marcel Duchamp e o readymade - une sorte de rendez-vous, escrito por David Santos.

E já que estou numa de livros e livrarias, não podia deixar passar um artigo que li no Expresso este fim de semana. 
"O destino das livrarias de rua (não situadas em centros comerciais e em hipermercados) tem sido o desaparecimento." - escreve António Guerreiro no artigo Círculo Vicioso para o suplemento Actual do jornal Expresso de 28 de Janeiro. Reflectindo sobre o mercado livreiro acrescenta que "Assim, um dos instrumentos fundamentais desta gestão racionalizada do consumo de massas implica comprar espaço de exposição nas livrarias. O leitor deve saber que nada do que se apresenta conspicuamente numa livraria se deve a outra determinação que não seja a de um contrato de arrendamento: os livros têm a condição de inquilinos.". O artigo traça um cenário um tanto negro para o mercado livreiro, em que tanto as livrarias como as pequenas e médias editoras têm diversas dificuldades de se manterem à tona. No entanto no último parágrafo António Guerreiro menciona outro efeito (mais positivo, na minha opinião) do panorama actual: "Este panorama tem tido um outro efeito: a multiplicação de pequeníssimas editoras, que fazem livros com tiragens que muitas vezes não ultrapassam a centena de exemplares e que os distribuem apenas em livrarias muito específicas. Parece coisa pouca, mas algo se move por este lado, enquanto o edifício central, uma babel desenvergonhada, parece ruir por todos os lados."

Tenham boas leituras e boa semana!

Sobre o signficado das palavras

De momento estou a ler A Insustentável Leveza do Ser do escritor checo Milan Kundera. 

Retrato de Milan Kundera por Joe Ciardiello para o The New York Times; em 2007, para acompanhar a crítica literária Reading With Kundera By Russell Banks
 Estou quase a chegar a meio do livro, mas não podia deixar de partilhar a citação seguinte.

"Numa sociedade rica, as pessoas não têm necessidade de trabalhar com as mãos e podem consagrar-se a uma actividade intelectual. Há cada vez mais universidades e cada vez mais estudantes. Estes, para obterem os seus canudos, primeiro têm que fazer uma tese sobre um dado tema. E não é difícil arranjar um tema, porque basta glosar o que já foi dito. E como tudo pode ser glosado, há um número infinito de temas. E assim, cada vez mais e mais resmas de papel enegrecido amontoadas em arquivos ainda mais tristes do que cemitérios, porque ninguém lá entra, nem mesmo no dia de Todos os Santos. A cultura está a desaparecer numa infinidade de produtos, numa avalanche de letras, na demência da quantidade. Acredita em mim: um único livro proibido no teu antigo país tem um significado infinitamente maior do que os milhões de palavras escarradas pelas nossas universidades."
- Milan Kundera, A Insustentável Leveza do Ser, 1983